sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Conversando sobre Educação


A história dos caminhos percorridos para se chegar a educação escolar no Brasil é fonte de análise para compreendermos como foi, durante anos, constituída nossa mentalidade em relação ao conhecimento formal, organizado mediante as necessidades sociopolíticas de cada momento.
Desde a vinda dos europeus para a América do Sul entre os séculos XV e XVI a educação não familiar fez parte das estratégias de “dominação”, sendo os padres jesuítas – no caso do Brasil - os responsáveis pelo processo de idealização da escola e anteriormente de alfabetização dos povos locais na língua portuguesa e também no aprendizado da fé católica com o objetivo de desempenhar a função de agentes de assimilação dos índios a civilização cristã. “Nem mesmo na Europa havia escola para o povo, porém a escola para os índios significava a adesão plena à cultura portuguesa. Não tendo esta instituição o resultado esperado” (CASARO).
Desse modo, a educação escolar seguiu seu desenvolvimento atrelada a realidade histórica e aos interesses do momento, em que a maior parte da população de origem negra e mestiça era deixada de lado em seu conhecimento no que se refere ao projeto de edificar uma identidade nacional ao Brasil.
A escola e seus conteúdos direcionam e “organizam” a formação das pessoas que a buscam, seja por uma imposição trazida pelas necessidades de uma sociedade que precisa estabelecer regras de vivência e de distribuição das atividades econômicas, ou pela vontade e maturidade de cada um em compreender as contradições em que estão inseridos como sujeitos históricos. Acredito que nessa análise sobre teoria educacional perceberemos que em diferentes momentos históricos, as três citadas no texto indicado para leitura na Unidade I, podem ser caracterizadas e até mesmo serem percebidas em momentos concomitantes.
Os grupos “marginalizados” no desenvolvimento dos processos econômicos e geralmente utilizados como mão-de-obra barata, defendem há séculos, o direito de participar de todo o processo produtivo, inclusive de seus lucros e poder ter uma educação escolar tão boa quanto qualquer outro grupo. Além dessas reivindicações também é tratado do direito as especificidades de conhecimento, como no caso das comunidades indígenas, quilombolas e rurais, que “lutaram”, efetivamente, para que seus saberes fossem garantidos, respeitados e valorizados nas escolas, assim como, os saberes da cultura européia (referência da produção de conhecimentos no mundo).
Com outros interesses, grupos que controlam a economia, as relações políticas, sociais, religiosas, estruturam o ensino que atenda as suas necessidades elaborando políticas públicas no sentido de garantir o “controle” da sociedade. A escola vem sendo, a meu ver, uma instituição que reflete tanto os problemas vivenciados no todo social, como também a necessidade de um grupo relacionada ao “desenvolvimento” econômico e tecnológico que gera para as pessoas que fazem parte desse grupo, o controle político sobre a produção e reprodução dos bens de consumo materiais e imaterias.
A relação de dominância sobre o conhecimento é subjetiva e por isso depende do olhar que cada grupo tem sobre o outro. Assim, tudo que se aprende em sociedade, seja nos espaços formais de educação, ou em casa com a família, deve ter um significado, um objetivo que justifique o aprendizado, que faça com que a pessoa compreenda o contexto em que esse ensinamento chega até ela, a partir daí cada indivíduo se relacionará com o conhecimento de acordo com sua visão de mundo, de vida em grupo, de cidadão.
Teoricamente já se sabe dessa questão, da necessidade de construir uma educação mais crítica, participativa; como diria Paulo Freire cidadã, tanto no ambiente da escola como em outros lugares: em casa, no trabalho etc. No entanto, para a maioria da sociedade e para quem organiza as políticas públicas, ao menos no Brasil, tem sido um desafio transpor as dificuldades da educação escolar em promover uma relação de ensino aprendizagem baseada no respeito, na troca e na produção de conhecimento.
As políticas públicas para a educação ainda são engessadas nos interesses políticos e econômicos, e por isso a mudança se torna tão difícil e faz com que todos que trabalhem nessa área acomodem-se. Coloca-se a tecnologia a disposição, mas não se estrutura as condições para o desenvolvimento de novas práticas. O currículo escolar está fechado na sala de aula, nas aulas expositivas, nos prazos conteúdistas e não preocupado com o conhecimento em si, com o significado que as mudanças trazidas pelas tecnologias e mídias possam trazer para os estudantes como mecanismo de produção de seu próprio conhecimento.
Os profissionais da educação, acredito que a maioria, sabem que precisam ir além das práticas educacionais atuais, sabem que as metodologias de trabalho estão desgastadas, porém estão amarrados no comodismo intelectual, provocado pelo nosso contexto sociopolítico em que grande parte da população está a margem dos saberes e das possibilidades de crítica.
Somente uma educação cidadã, que realmente rompa com as desigualdades e promova equidade dos sabres poderá transformar a mentalidade das pessoas. Apenas compreendendo as "contradições" em que vivemos, poderemos transformar o que não nos serve, poderemos vislumbrar uma sociedade crítica, que produz conhecimento e faz com que ele seja uma prática a favor do bem-estar de todos.
Cada vez mais, em vários espaços de produção de conhecimento, as pessoas se preocupam com a qualidade da educação que está sendo exercitada por discentes e docentes. Essa preocupação tem levados os grupos a buscarem, via órgãos públicos, seus direitos a um processo educativo de qualidade e que atenda suas necessidades particulares, um exemplo é a busca por modalidades de educação como a educação escolar indígena, a educação no campo, a educação a distância, entre outras. Essa busca demonstra que as pessoas precisam e querem fazer parte dessa transformação cultural pela qual passa a relação diálogo-aprendizagem-cidadania.
Aprender a se pensar como parte fundamental do todo social é um exercício filosófico essencial, lembrar que “contra todas as forças que, ao nos atravessarem, nos querem fracos, tristes, servos e tolos só há uma atitude: criar” (DELEUZE).

Bibliografia:
CASARO, Adir. Educação Escolar como fator de sobrevivência dos povos indígenas: política, equidade e qualidade. Texto. Goiânia, Maio, 2002.
BACKES, José Licínio. História escolar no Brasil: uma história etnocêntrica. In: Série Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDB, n. 15, Campo Grande, 2003.
DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1992.