sexta-feira, 31 de julho de 2009

Educação Escolar Indígena


"ESCOLAS INDÍGENAS E PROJETOS DE FUTURO"
O CIMI E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA


Elizabeth A. Rondon AmaranteEunice Dias de Paula
Publicado na revista "Textos e PreTextos sobre educação indígena", número 1, de abril de 2001.


1. INTRODUÇÃO

Em 1982, Paulo Freire assessorou uma Assembléia do Cimi-MT e, com seu jeito de educador-poeta, afirmou: "As táticas são exatamente os caminhos que se criam, andando, para viabilizar o sonho".
E, em muitos de seus escritos e palestras, ele se refere ao diálogo como à grande tática educativa, capaz de abrir caminhos e concretizar projetos de futuro.
Ao avaliar hoje suas atividades na área de educação, o Cimi explicita um diálogo que vem se desenrolando há quase 30 anos, entre os anseios dos povos indígenas e a assessoria dos missionários.
O Cimi se considera parceiro dos povos indígenas. Assim, sua resposta é aquela da Assembléia Nacional de 1995, quando coloca como seu grande desafio o de "continuar lutando junto aos povos indígenas, a fim de ajudar a ampliar suas perspectivas de futuro (...) apoiando e subsidiando comunidades, povos e Organizações Indígenas no sentido de fortalecê-los sempre mais no exercício de seu protagonismo"
A educação escolar indígena é, sem dúvida, essa tática, esse "caminho a ser criado, andando" em vistas ao protagonismo e à autonomia dos povos indígenas.
Se queremos hoje registrar a memória, o processo e a busca dessa conquista que é a escola indígena, devemos refazer o caminho desde a primeira Assembléia do Cimi, em 1975, em que a Igreja se compromete a uma nova linha missionária.
Na verdade, essa nova trajetória germinou da experiência missionária de Utiariti, o internato indígena da Missão Anchieta, em Mato Grosso. Os jesuítas que atuavam nessa região, desde 1967, já avaliavam "com objetividade o processo de trabalho no setor indígena" constatando que a Missão enveredava por um "processo aculturativo sem preocupação antropológica", uma atuação em que o missionário se tornava "pacificador, pai e patrão" dos povos com os quais convivia no internato-escola de Utiariti. Diversas análises apontaram para uma agressão ao sistema tradicional dos povos indígenas, sobretudo no campo da educação.
Conforme registro dos relatórios e diários da Missão Anchieta, eles se propuseram então a "um sério esforço de mudança de atitudes" e o término do sistema de internato. Em 1969, um desses diários dizia:
"A Missão concentrou até nossos dias os seus maiores esforços em Utiariti. Hoje percebe que tal fase está superada. O retorno à vida tribal está entrando na fase profunda pois toma-se a decisão de transformar Utiariti em ‘posto de transição’ e não mais de fixação".
Pode parecer ter sido esse um fato isolado, localizado geograficamente numa determinada situação, mas, na verdade, tornou-se um acontecimento emblemático na história, pois foi a partir desse grupo e dessa decisão lúcida e corajosa que, aglutinando-se outras experiências e outras reflexões, nasceu o Cimi em 1972.
Vale também ressaltar que a prática educacional que perpassa os diversos níveis e âmbitos de atuação, foi o dínamo de toda a conversão missionária.
Na Assembléia de 1977, o Cimi se propõe a "repensar o problema das escolas, seu estilo e seus métodos". Note-se que nessa época ainda existiam muitas escolas-internato funcionando.
Em 1979, o relatório sublinha: "No processo de autodeterminação os povos indígenas e o Cimi valorizam a educação como essencial (...) entendendo-a como ‘técnica suplementar e não como substitutiva da educação indígena".
Logo em seguida, no ano de 1981, o próprio tema da Assembléia Nacional é a Educação. Afirma-se, então, o "valor substancial da língua indígena" e a importância de se reverem atitudes e procedimentos didáticos.
A partir desse momento, o Cimi intensifica o seu diálogo como parceiro e interlocutor de povos que têm "o direito de reclamar sua vivência", como dizia Xangrê, líder do povo Kaigang. Essa herança a que Marçal Guarani se referia quando disse que: "O ensino aplicado até hoje tem matado o que há de mais sagrado para nós que é a nossa cultura. Se conservarmos o que é sagrado para nós seremos um povo que vai caminhando na libertação".
E "ninguém melhor que os índios para defender o que é deles" diziam as lideranças nas Assembléias de Chefes Indígenas. Nessa atitude, a Assembléia do Cimi de 1983 assinala "sinais de esperança na organização de povos que assumem suas próprias lutas na defesa de seus direitos".
É o início de uma outra "virada" na concepção da educação - aquela que "reconhece a educação como instrumento político de cada povo na sua luta por autodeterminação (...) e que cada povo assuma o próprio processo de educação dentro de sua realidade" (Assembléia de 1985).
Eram os tempos dos Encontros de Educação organizados pela OPAN - então Operação Anchieta - reunindo missionários e leigos numa produtiva troca de experiências e busca de "escolas alternativas" nas aldeias.
Foi também um momento significativo marcado por alguns documentos em que os missionários do Cimi tiveram parte ativa na elaboração: o Documento do II Encontro do Grupo de Estudos sobre Educação Indígena, organizado pela UNI e pelo Cimi, e o texto "Exigências de uma Nova Ordem Educacional Indígena", de 1986.
O caminho estava orientado para uma colaboração mais efetiva visando a "transformação crescente da escola em instrumental político a serviço da organização indígena (...) promovendo um processo de análise crítica e autocrítica em vista de um projeto alternativo". Uma decisão que "exigirá preparação técnica, antropológica, conhecimento e aprofundamento da língua e da cultura" de cada povo (Assembléia de 1987).
Os Encontros e Cursos de Professores Indígenas e o Movimento de Professores começavam a se alastrar em quase todos os Regionais, muito especialmente na Amazônia.
A Constituinte em curso exigia reflexões, debates, formação e informação específica em relação aos direitos indígenas e à questão das escolas. Por isso, as bases pediram ao Secretariado a liberação de uma pessoa para acompanhar a tramitação de toda essa luta no Congresso, no MEC, no Estatuto do Índio e na LDB.
Os relatórios das Assembléias já não falam tanto de educação escolar, mas referem-se mais ampla e globalmente às Organizações Indígenas e às "crescentes exigências de formação política das comunidades, inclusive dos professores, para que todos trabalhem tendo como referência o futuro do povo" (Assembléia de 1989).
"O eixo de todas as colocações e de todos os relatos foi a questão da autonomia indígena no sentido de apoio a suas organizações e na concretização da formação dos índios nos diversos níveis" (Nota do relatório da Assembléia de 1991).
Essa preocupação sobre formação se estende também à produção de "material pedagógico diversificado e adequado às realidades". Foi certamente uma percepção bastante grande das aspirações das comunidades indígenas, segundo a expressão de um professor Kaxinawá: "Dentro do futuro, queremos ter a nossa escola na aldeia, funcionando pelo próprio índio mesmo" (Osair Sião Kaxinawá).
Evidentemente, todo esse caminho andado iria desembocar num programa de ação sempre mais globalizante e aberto a novos horizontes "em vistas à autonomia dos povos indígenas no que diz respeito a seus direitos básicos, em especial na educação" (Assembléia de 1993).
Era também uma resposta a afirmações como essa, da Assembléia Indígena do Acre, em 1991, quando os índios diziam com orgulho: "Damos rumo ao nosso destino!"
Ou em consonância com o texto da Assembléia Tupi em 1982: "Assumimos e continuamos com a resistência de nossos antepassados. Acreditamos na nossa força e união organizada".
Cada vez mais o Cimi se capacita para, em todos os níveis, "assessorar comunidades, lideranças e organizações na sua dimensão integral, tendo sempre em consideração as diferenças étnico-culturais, os mecanismos próprios e a pedagogia de cada povo nos programas formativos e informativos".
"Os povos indígenas, muito mais que herdeiros de um passado, são povos do futuro, pois anunciam com o seu modo de ser, a possibilidade de uma vida plena de significado", diz a Assembléia de 1995.
A Assembléia de 1999 reafirma que "a perspectiva da autonomia dos povos indígenas tem sido o eixo da prática do Cimi. E a autonomia diz respeito ao território, à organização social e política, ao sistema educativo, à língua, à religião e à economia própria de cada povo. A autonomia é também a perspectiva nos processos de escolarização e isso se dá à medida que os próprios povos indígenas ‘ressignificam’ a escola, articulando-a com a educação tradicional".
Essa retrospectiva sobre educação nos textos e contextos das Assembléias Nacionais evidencia toda uma mística missionária impregnando a prática pedagógica.
Grande é a mística, muito limitada foi certamente a prática... Mas, sem sonhos a história não muda e os missionários do Cimi no setor de educação sempre insistiram e continuam insistindo em dialogar com os povos indígenas a respeito desse sonho de uma escola verdadeiramente indígena.


Referências bibliográficas
AZEVEDO, Marta. Movimento dos Professores Indígenas Amazonas, Roraima, Acre. Brasília: Cimi/Setor de documentação. Datilog., 1994.
CIMI. Com as próprias Mãos - Professores Indígenas construindo a autonomia de suas escolas. Brasília: Cimi, 1992.
________. Concepção e a Prática da Educação Escolar Indígena. Brasília: Cimi, 1993.
COMISSÃO PRÓ ÍNDIO. A questão da Educação Indígena. São Paulo: Brasiliense, 1981.
MEC. Diretrizes para a política nacional de educação escolar indígena. Brasília, 1994.
MELIÁ Bartomeu. Educação Indígena e Alfabetização. São Paulo: Loyola, 1979.
OPAN. A Conquista da Escrita. São Paulo: Iluminuras, 1984.
Outras fontes
Arquivos da Missão Anchieta, Cuiabá.
Relatórios das Assembléias Nacionais do Cimi, 1975 a 1999.
Relatório do Encontro "Consulta sobre Educação no Meio Indígena", 1978
Documento "Exigências de uma Nova Ordem Educacional Indígena", 1986
Documento do II Encontro do Grupo de Estudo sobre Educação Indígena, 1986
Relatórios de Assembléias do Cimi – Regional Mato Grosso, vários anos.
Relatórios de Encontros de Professores Indígenas (Mato Grosso; Mato Grosso do Sul; Pará e Amapá; COPIAR – Comissão dos Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre), vários anos.
Relatórios da Articulação Nacional de Educação – Cimi, vários anos
Jornal Porantim, Brasília: Cimi, vários anos

terça-feira, 28 de julho de 2009

A Questão Indígena no Sul de Mato Grosso do Sul: uma referência para os estudos da diversidade, cidadania e autonomia educativa.


Simone Anselmo Girão[1]

Iniciaremos nossas reflexões sobre a história dos povos Guarani da região sul do atual Estado de Mato Grosso do Sul, a partir dos porquês dos problemas que perpassam essas comunidades na realidade da grande Dourados. Dessa forma é necessário entender o papel da história, enquanto uma ciência ocidental dominante que “constrói” ou “destrói” as referências da memória de um povo.
Na história do povo Guarani Ñhandeva e do povo Guarani Kaiowá pode-se destacar algumas temáticas que se fazem importantes para entendermos o contexto em que essa comunidade está inserida, como por exemplo:

· História dos aldeamentos: causas, conseqüências, conteúdos escolares;
· Relação do povo guarani/kaiowá com outros povos indígenas (cone Sul);
· Educação indígena: antes, hoje;
· História e os novos problemas: "mazelas" que vem de fora;
· Sobrevivência e autonomia dos povos indígenas;
· A escola e os projetos futuros da comunidade;
· Localização das reservas / centros urbanos (proximidade);
· Líderes indígenas que se destacaram na luta;
· ONG´s, políticas e conseqüências;
· Políticas indigenistas do governo federal;

A partir dessas temáticas é possível perceber a vastidão de acontecimentos históricos que envolvem a questão indígena e que são de suma importância para o nosso conhecimento, enquanto educadores, estudantes e comunidade indígena.
A questão indígena em Mato Grosso do Sul (na época Estado de Mato Grosso), voltada para uma análise da situação sociocultural e política relacionada ao povo Guarani Ñhandeva e Guarani Kaiowá, teve como conseqüência, a partir das políticas do governo federal entre os anos de 1943 e 1950,o loteamento das terras indígenas no município de Dourados, sul do Estado; fruto da anterior política de aldeamento, do início do século XX (1915) no Brasil que teve o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) como principal órgão de demarcação das reservas indígenas no território brasileiro.
A política indigenista no processo de colonização foi a de aldear os índios para uma efetiva ocupação das terras por colonos como uma forma de "proteger" as fronteiras. Havendo colonos, a posse da terra na região estaria garantida. Estratégia que parte da exclusão do índio como habitante local; partia-se do princípio - isso em uma história construída por uma concepção etnocêntrica, que visava à construção de uma nova identidade para o Estado de Mato Grosso, que não fosse com base na história dos povos indígenas - de que essa região era "terra de ninguém" ou "sertões inóspitos".
Devido a esses fatores faz-se necessário conhecer a história dos Guarani Ñhandeva e dos Guarani Kaiowá da região de Dourados, para podermos interpretar os acontecimentos por outra óptica que não a dominante. Enquanto educadores precisamos pesquisar para compreender, a história da comunidade para quem desenvolvemos um trabalho. Só assim poderemos contribuir realmente com a formação das pessoas que buscam na diversidade uma alternativa para a construção de um processo educativo, autônomo e, portanto cidadão.
Para conhecermos melhor as histórias “omitidas” de vários grupos sociais brasileiro, assim como a dos Guarani Ñhandeva e a dos Guarani Kaiowá, é fundamental buscar-mos fontes de estudo na própria comunidade tendo como parâmetro a experiência histórica que essas pessoas construíram e constroem no seu grupo de convivência sociocultural, política, religiosa e econômica.



Referência Bibliográfica:
BRAND, Antonio. O impacto da perda da terra sobre a tradição kaiowá/guarani: os difíceis caminhos da Palavra, Tese de doutorado, História da PUC/RS, 1997.

[1] Mestre em História pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus de Dourados, Coordenadora de Tutoria do Curso “Educação na Diversidade e Cidadania” da EaD – UFMS e professora da Rede Pública Estadual de Educação em Campo Grande, MS.



quarta-feira, 8 de julho de 2009

O Movimento da Vida


Busco da vida as melhores coisas que ela possa oferecer, mas essa busca, ao mesmo tempo que busca, perde-se no movimento de controle que é o cotidiano.

Desatrelar-se dessas "teias" é o mais difícil; vejo-nos rompendo-as como alguém que anseia sair desses domínios, entretanto, vejo-nos também no movimento contrário, em direção à ambiguidade: juntando todas as teias, entrelaçando-as com nó, alguns frouxos - frutos da incerteza - e outros tão forte quanto a vontade de "rompe-los" novamente.

Viver é isso, "lutar" o tempo todo, "contra" ou " a favor" de nossos comportamentos, de nossas vontades. Viver também é encontar uma estratégia que garanta a plenitude da essência do que é a vida, do que são nossos desejos. Desejos nossos que na maioria das vezes tornam-se incompartilháveis aos outros.




Simone Anselmo Girão